Livro: "O Fardo" de Agatha Christie como Mary Westmacott

Título: O Fardo
Título original: The Burden
Título de tradução variante: "A Carga" (Nova Fronteira, 1974), As Duas Irmãs (L&PM Pocket, 2010)
Autora: Agatha Christie, sob o pseudônimo de Mary Westmacott
Tradutor: Bruno Alexander

Editora: Editora L&PM Pocket
Ano de publicação: 2013
ISBN: 978.85.254. 3014-4
Gênero: Romance, Reflexivo, Drama

Informações adicionais:
Número de páginas: 240
Tipo de diagramação: simples
Cor das páginas: brancas
Fonte: agradável para a leitura e tamanho satisfatório
Capa: em papel normal, fosco, sem orelhas

Sinopse:
Laura Franklin está ressentida com a chegada de sua irmã mais nova, Shirley, um bebê encantador e amado por toda a família. O ciúme de Laura chega ao ponto de ela desejar a morte da própria irmã.
Mas quando um incêndio acomete a residência da família, esses sentimentos mudam drasticamente, e Laura promete a si mesma proteger Shirley por toda a vida. Uma história de consequências surpreendentes quando o amor se transforma em obsessão.


Nota:


Diagramação e outras informações sobre a obra física:

A capa é em papel normal para livros (não é capa dura), fosca e sem orelhas. Afinal, é uma versão de bolso e neste formato tudo o que possa diminuir o peso é bem vindo. Para mim, o formato é perfeito, pois permite carregar na bolsa para todos os lados (amo pockets!)

A diagramação interna é bem simples, com fontes de tamanho agradável em folhas são brancas. Com demarcações para cada trecho da trama bem demarcado, já que ela é dividida em plots menores que juntos fazem o todo do livro. Há até um sumário inicial para auxiliar na leitura.


Curiosidade:

Esse livro faz parte de uma coleção de contos lançados pela autora sob o pseudônimo de Mary Westmacott. Por trás deste nome, ela lançou obras que não tratavam de crimes e investigações, mas sobre as malezas e sofrimentos da alma humana. Obras profundas, que muitos desconhecem e infelizmente torcem o nariz por não dar uma chance a elas.

Agatha prova que não era apenas a "Dama do Crime", seu conhecimento, sua escrita e sua dedicação podiam abordar temas diversos de forma tocante, clara e meditativa. Ler estas obras da autora é enxergar os defeitos de nós mesmos e nos chocar, é ver que pode-se criar tramas com pessoas que parecem ser de "carne e osso" e que a fantasia poderia ser a realidade de qualquer um de nós.

Esse livro já foi lançado anteriormente aqui, em 1974 ele ganhou a tradução de Clarice Lispector (de verdade, não é um boato da internet e a capa está aqui para provar, viu? ehehe). Lançado pela editora Nova Fronteira com o título "A Carga". Outros títulos desta coleção também foram lançados por ela, com capas em estilo semelhante e nas quais eu particularmente gosto bastante (mesmo amando as capas da L&PM).


Em 2010 a L&PM Pockets o lançou, com a tradução de Bruno Alexander, com o título de "A Duas Irmãs". Esse título, aliás, faz muito sentido com a obra, porém não era a tradução literal daquele que foi dado pela autora. Então, em 2013, a editora o relançou com o título de "O Fardo", alterando apenas o título da capa e nada mais. Aliás, a editora lançou toda essa coleção, com os seis livros, e as capas são igualmente belas.



Resenha:

Por muito tempo tive curiosidade sobre essas obras da autora como Mary Westmacott e embora este não seja o primeiro que li dela desta forma, será minha primeira resenha (e pretendo fazer dos anteriores também).

Tenho que dizer que eu me vi na protagonista Laura em muitos momentos. Afinal, ela tem um irmão mais velho (como eu) e acaba por ganhar uma irmãzinha mais nova (a história da minha vida, veja só!). E embora ela seja estudiosa, calma e boazinha, os pais a vêem apenas como uma garota que não tem "algo a mais" atrativo como seus irmãos. Ela pode ser boa, mas falta algo. Ou seja, a pobre acaba sempre de lado, não é alvo dos afetos e atenções dos pais, e convive culpada pelo ciúmes que acaba sentindo de seus irmãos.

Uma explicação dada no livro me tocou profundamente:
"- O problema do segundo filho - começou a explicar o sr. Baldock, em tom didático - é que é sempre um anticlímax. O primeiro filho é uma aventura, um momento assustador e doloroso. A mãe tem certeza de que vai morrer, e o marido (o Arthur aqui, por exemplo) também tem certeza de que vai perder a esposa. No final, nasce aquele pedacinho de gente, que só berra e chora, sem imaginar todo o trabalho que deu aos pais para gerá-lo. Por isso os pais o valorizam tanto! É uma novidade, o fruto de uma união, aquela maravilha. E aí, normalmente cedo demais, vem o segundo filho... todo aquele trabalho de novo... mas, desta vez causando menos apreensão, menos aborrecimento. Pronto, mais um filho nosso. Só que agora não é mais novidade, e como não deu tanto trabalho, não é algo tão maravilhoso. 
(...) Reparei que normalmente existe um intervalo antes do terceiro filho. O terceiro filho costuma ser resultado de independização dos dois irmãos mais velhos. Vem aquele desejo: "Seria bom termos um bebê de novo". Desejo estranho, uns serezinhos nojentos, mas imagino que seja o instinto biológico. E aí eles vingam, alguns bonitos, alguns travessos, alguns inteligentes e alguns mais bobos. Então eles se unem, mas num determinado momento vem a constatação de que o primogênito recebe mais atenção."

Laura é a filha do meio, mas seu irmão deixa o mundo após uma doença e isso abala profundamente seus pais. Tanto que no velório do garotinho a mãe chega a pensar que preferia que Laura morresse no lugar de Franklin, sem nenhum pudor ou remorso.

E após essa trágica perda, eles simplesmente optam por viajar e deixam Laura sob os cuidados dos empregados. Não mostrando lá muita preocupação sobre os sentimentos da própria filha ou chegando a se perguntar o que ela estaria sentindo com a perda. Nada, ela é só alguém que eles deixam ali na casa e vão tentar superar sua perda em outro lugar.

Enquanto fica sozinha, cresce em Laura um sonho. Ela acredita que quando seus pais voltarem da viagem a verão como "a única coisa que os sobrou", sonha com que eles a tratem a a amem como amavam Franklin, seu falecido irmão (que aliás era uma atentado, pelo que descrevem). Ela começa a formar em sua mente uma vida fantasiosa, onde nunca casará, pois seus pais dependerão unica e exclusivamente dela, e ela os proverá com todo o amor e dedicação em reciprocidade, como sempre sonhou.

Porém, quando eles retornam, a mãe de Laura está grávida e a terceira filha, Shirley, nasce tempos depois. Roubando mais uma vez a atenção de Laura, já que não é "boazinha e sem graça como a irmã", mas bem o oposto.

Um vizinho, estudioso, senhor Bradock, tenta argumentar com o pai e interceder em favor de Laura, porém ele não é ouvido. "Afinal, o que ele acha que sabe se é solteiro?", é o que a esposa retruca ao marido. E isso faz com que ele próprio tente demonstrar a garotinha que ela tem alguém com quem possa contar, mesmo não gostando de crianças.

A tristeza de Laura só aumenta, e ela chega ao ponto de pedir a Deus e a nossa Senhora,que sua irmã Shirey morra também, assim ela poderia ser feliz. É claro que Laura não é má, ela é apenas uma criança rejeitada, e quando sua irmã fica em perigo é a primeira a correr em seu resgate.

A culpa a perseguirá para a vida toda, afinal ela pediu para a irmã morrer e seu pedido foi "aceito", em sua mente. Mesmo que a situação na verdade tenha sido uma fatalidade que em nada ela tenha contribuído.

Isso faz com que laura acabe abdicando de sua própria vida para tentar prover tudo para Shirley, para que ela estude, case, seja feliz e realize todos os seus sonhos. Pois na mente culpada de Laura, ela não merece perdão, mesmo fazendo tudo a irmã. Acontece que essa super proteção tem tudo para dar errado também e é aí onde nós acabamos vendo que é impossível se controlar a vida alheia.

Resumidamente, o livro é maravilhoso! Agatha me pegou de jeito desde o começo. As obras dela como Mary exercem um fascino em mim, que tem o poder de me pegar com suas palavras e destrinchar a alma humana totalmente. E, o melhor, ela tem o poder de mostrar o como nós mesmos podemos ter um pouco (ou muito) de seus personagens em nós.

Logo no começo quando um dos personagens retrata o porque de os filhos dos meio serem tratados com menos entusiasmo e deferência que o primeiro e o terceiro, ela me prendeu. Eu, como irmã do meio, sempre senti isso, sempre me senti de lado enquanto via meu irmão mais velho ser ovacionado (por ser homem) e minha irmã caçula amada e protegida (a loirinha de olhos azuis da casa).

Eu, como Laura, era só a menina boazinha e sem graça. Ok, eu não era como a Laura que desejou a morte da irmã, mas eu me sentia triste... ah, isso eu sentia. Até hoje a diferença me dói, já que sou só eu que ouço de minha mãe que "moro de favor na casa dela" e esse sentimento de "não pertencer a nada", essa indiferença, me fez ser aquela que tem que servir sempre, aquela que trabalha para tudo e para todos que tem que deixar sua própria vida de lado em bem ao próximo.

É incrível o como a Agatha consegue mostrar para nós essas facetas da vida cotidiana. Laura é muito de mim mesma, mesmo não sendo nada de mim em outros aspectos. Agatha é mestre, pura e simplesmente, uma mulher admirável que soube explorar o mundo das letras e da alma humana em várias vertentes.


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